sexta-feira, dezembro 29, 2006

A Razão da Reflexão

reflexão
Estamos naquela altura em que muito boa gente aproveita para fazer uma reflexão sobre aquilo que fez nos últimos doze meses. Uma espécie de post mortem de curto prazo da sua existência. Confesso que não percebo este fascínio da reflexão. É como fazer a autópsia de um tipo que tenha sido atropelado por um camião de oito rodados: sabemos que o indivíduo está morto e que as probabilidades de este continuar a descontar para o IRS são muito reduzidas (felizardo!); portanto é-nos perfeitamente indiferente se a sua morte se deveu a uma perfuração dos pulmões ou se simplesmente o cérebro deixou de funcionar depois de ter experienciado oito toneladas a passar-lhe por cima. Por mais autópsias que lhe façam o resultado final é que o tipo já não cantará a Traviatta, por mais que lhe apeteça. É como as reflexões de fim de ano. Por mais que a malta reflicta, o ano passou e já não volta. Por mais que isso vos custe, é a pura das verdades.
Se querem reflectir sobre a vossa existência não o façam agora, façam-nos todos os dias. A melhor altura para uma reflexão existencial são as manhãs. Vocês acordam, meio estremunhados, cabelo desgrenhado, com um hálito desgraçado, e vão para a casa de banho olhar para a vossa reflexão no espelho. Se depois desta experiência ainda acharem que a vossa existência vale a pena, então continuem, diariamente, a fazer este tipo de reflexão. Para aqueles que não gostam de uma reflexão tão crua, recomendo a reflexão de vitrine: a reflexão de vitrine serve para todos os que não aguentam a reflexão matinal. Consiste em reflectir na montra do banco mais próximo de casa. Tem a vantagem de não se toparem as imperfeições na pele, nem as rugas de expressão, nem os pontos negros. O que não quer dizer que não estejam lá. Mas que se lixe, é apenas uma reflexão.


Para todos os que reflectiram neste último minuto comigo (a olhar para a vossa reflexão no écran do vosso PC), votos de um grande 2007. Perguntar-me-ão se grande implicará que o ano tenha mais dias. Responder-vos-ei que, tal como as reflexões, o ano tem os dias que quisermos. Sejam felizes.

quinta-feira, dezembro 21, 2006

A Razão da Linha do Norte

linha do norte
O Tribunal de Contas produziu recentemente um relatório sobre a modernização da linha dos Caminhos de Ferro do Norte, obra da REFER que dura há 10 anos e cuja conclusão não está à vista.
No relatório do TC vemos que até hoje foram GASTOS mil milhões de euros, ou seja, mais 20% do que estava inicialmente estimado para esta obra. Por aqui podemos ver que as comissões encapotadas já ultrapassaram em muito os 10% habituais...
O relatório revela ainda que existiram empreitadas que foram adjudicadas depois de terem sido realizadas (?), e que se teriam poupado quinze milhões de euros se tivessem sido escolhidas as propostas mais competitivas.
O relatório do Tribunal de Contas revela, em suma, a incapacidade e falta de transparência da REFER nesta obra pública, realizada (como outras tantas) à custa dos contribuintes.
Mas a parte mais divertida do relatório está na sua conclusão: nela, o Tribunal de Contas recomenda que, de futuro, a REFER controle melhor os seus custos.
Mas que merda de conclusão é esta? É para isto que serve um relatório do Tribunal de Contas? Então estes gajos concluem que a malta da REFER anda a roubar à grande e à francesa nos últimos dez anos e a única coisa que fazem é dizer para os meninos terem mais cuidado a roubar?? E que tal demitirem toda a administração da REFER? E que tal prendê-los por gestão danosa de dinheiros públicos? E que tal contratar uma tribo somali fresquinha para alargar o esfíncter de cada membro do conselho de administração?

quarta-feira, dezembro 20, 2006

A Razão dos Lambe-Cus


A humanidade divide-se em dois géneros, para além dos meninos e das meninas: há os lambe-cus, e há aqueles cujas papilas gustativas não toleram o confronto sensorial directo com o streptococus vulgaris. A divisão não é equitativa. Os lambe-cus são, nitidamente, a maioria vigente.
Está veladamente convencionado nesta sociedade que «lamber um cu diariamente, garante um futuro polivalente». É uma forma de investimento a prazo.
Quem lambe um cu está convencido que, embora o sabor não seja nada por aí além, a coisa vale o esforço que daí advém. O cu lambido é normalmente grato, e o acto de lambecuzice raramente fica em cu alheio.
É importante referir que, para quem lambe cus, é perfeitamente indiferente o cu que está a lamber. É uma questão de fé que roça os critérios dos apostadores de cavalos: só se lambe um cu porque se tem fé que esse cu vale a pena lamber, porque vai dar algo a ganhar.
Lamber cus é um acto de fé completamente enviezado. Daí que seja extremamente fácil desatar a lamber outro cu qualquer, por dá cá aquela palha.
Para o lambe-cus, paradoxalmente, o importante não é lamber um cu em particular. É a aleatoriedade da coisa que dá riqueza ao acto e que aumenta a possibilidade de, um dia, deixar de lamber cus para ter o seu próprio cu lambido. Daí que se lambam cus de muitos quadrantes e de variadas influências. O cu é uma lotaria. Nunca se sabe ao certo qual é o que dá prémio. Portanto o lema é lamber indiscriminadamente.
É por essas e por outras que existe aquele ditado: «Quem tem cu tem medo». E se não tem, devia ter.

sábado, dezembro 16, 2006

A Razão Tipo Serra

tipo serra
Tipo é uma daquelas palavras da treta a que é preciso prestar atenção. Sempre que virem a palavra «tipo» anexada a outra palavra qualquer, alguém vos está a aldrabar. «Charcutaria do tipo nova-iorquino?». Sabem porque lhe chamam isto? Porque não fica em Nova Iorque. É só por isso. Provavelmente, fica em Kekanal no Egipto, o dono é do Ruanda e a comida sabe a qualquer coisa que os Hutus dariam aos Tutsis para comer.
Outro uso da palavra «tipo» pode ser encontrada em «restaurantes do tipo familiar». O que quer dizer é que, em cada mesa, há gente a discutir. E o filho mais velho anda a espancar mulheres. É uma coisa de «tipo familiar», percebem?

George Carlin

sexta-feira, dezembro 15, 2006

A Razão da Má Ideia

idiotas
Não há más ideias, mas apenas bons idiotas.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

A Razão da Biografia Precoce


Confesso que nunca liguei muito às biografias como obras literárias. Nunca tive grande interesse em saber da vida dos outros, mesmo que estes fossem remotamente famosos ou que tivessem sido vagamente influentes no mundo. Acho que o interesse por uma biografia, qualquer que ela seja, não é muito diferente de encher as audiências de um canal que passe um Big Brother ou outro reality show qualquer. Com uma nuance: as biografias não têm metade da javardice porcalhota de um reality show. Normalmente contam-se sempre as partes dignas da vida de um dado indivíduo.

Sempre achei que a biografia era algo posterior à extrema unção: nunca me fez grande sentido uma biografia ser escrita enquanto o indivíduo ainda estava vivo. São uma espécie de morte antecipada por indivíduos que, se não estão fisicamente mortos, estão-no certamente a nivel social ou político. É o caso da Carolina do alterne e do Santana sem alternativas. Esta mania nacional recente de se publicarem livros a explicar que «se a minha avó tivesse rodas seria um camião de oito rodados» é, no mínimo, reveladora de uma pobreza intelectual incapaz de avaliar o rídiculo de todo o esforço editorial que tiveram para publicar aquelas verdadeiras bostas. Podemos tirar a mulher do alterne e o homem da politiquice, mas infelizmente não podemos tirar o alterne da mulher nem a politiquice do homem.

terça-feira, dezembro 12, 2006

A Razão do Mau Ambiente

mau ambiente
Se há um movimento mundial (para além dos escoteiros) que acho perfeitamente inconsequente é o Greenpeace. Na minha opinião o Greenpeace não passa de um grupo de putos malucos à procura de protagonismo radical e novas emoções, financiados por empresários nada malucos. Aliás, foi o Greenpeace que inventou o protagonismo radical e que tornou obsoletos os 15 minutos de fama que Andy Warhol vaticinou para o resto da humanidade. É que, no Greenpeace, qualquer um consegue ter 16 minutos de fama, antes de ser arpoado ao tentar defender uma baleia azul, ou sodomizado por uma tribo somali enquanto tenta evitar a extinção do papa-formigas de testículos dourados.
Se esta malta estivesse realmente interessada em defender o ambiente, instalaria o seu quartel general em Portugal. Não porque os portugueses são uns alarves a cumprir os objectivos de Quioto. Não porque os portugueses estragam, ano após ano, o seu próprio ambiente. Mas simplesmente porque este país TEM mau ambiente.
O Estado português é o grande causador deste mau ambiente e, no entanto, não vejo nenhum membro do Greenpeace a dar azo à sua histeria de protagonismo numa qualquer repartição de finanças deste país. A maioria das empresas portuguesas têm mau ambiente, mas não é por isso que vemos os putos malucos do Greenpeace a invadir as suas entradas com os seus destemidos barcos de borracha.
Isto não passa tudo de uma fantochada encenada em destinos turísticos inexplorados (e lindos) que, se não fosse financiada por lobbies insuspeitos, nunca seriam visitados por chavalos munta malukos e radikais, à procura deles próprios.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

A Razão do Décimo Terceiro

décimo terceiro
Dezembro em Portugal é um lampejo daquilo que seria o país se a sua população ganhasse o dobro do seu ordenado mensal. Excitados e em frenesim com o décimo terceiro mês, os portugueses entopem portagens, atestam o depósito de combustível, invadem pastelarias, restaurantes e bares, atafulham centros comerciais, alongam filas de trânsito, preenchem milimetricamente parques de estacionamento, lotam cinemas, atropelam-se febrilmente em hipermercados, e compram, compram como se não houvesse amanhã, tudo o que lhes aparece à frente. Com os cartões de crédito incandescentes e a cheirar a plástico queimado, os portugueses com o décimo terceiro mês no bolso tornam a vida neste país num autêntico circo alucinado de consumo. Imaginem se tivéssemos o nível de vida da nossa vizinha Espanha: seria isto todos os meses do ano! Um verdadeiro inferno.

Não estamos estruturalmente preparados para ganharmos o dobro do que ganhamos agora. Chego à conclusão que não temos vocação para prosperidades económicas: tratamos rapidamente de lixar o nosso orçamento disponível. Vai ser interessante ver a calmaria de Janeiro. Vai, vai.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

A Razão do Homo Sapiens Sapiens

homo sapiens sapiens
Há um pequeno planeta azul na órbita do Sol, e este planeta é gerido por um monte de macacos. No entanto os macacos não se vêem a si mesmos como macacos, aliás nem se vêem a eles próprios como animais. Na realidade eles até gostam de listar todas aquelas coisas que os separam dos animais: polegares oponíveis, auto-consciência, e uso de palavras como «Homo Erectus», ou «Australopitecos». Mas, na verdade, não passam mesmo de macacos. Macacos com tecnologia de fibra óptica digital, mas ainda assim macacos. São inteligentes, é preciso reconhecê-lo: as pirâmides, os arranha-céus, os aviões a jacto, a grande muralha da China, tudo isto são merdas bastante impressionantes para um monte de macacos. Macacos cujos cérebros evoluíram para um tamanho tão inimaginável que torna completamente impossível a sua felicidade durante um período mais ou menos alargado. Aliás, eles são o único animal do pequeno planeta azul que acha deve ser feliz, quando todos os outros animais podem apenas Ser. Mas isto não é tão simples para os macacos. Os macacos estão amaldiçoados pela sua Consciência. A sua Consciência faz com que os macacos tenham medo. Então os macacos ficam preocupados. Os macacos preocupam-se com tudo, mas preocupam-se especialmente com tudo o que todos os outros macacos pensam. Porque os macacos querem desesperadamente pertencer a alguma coisa que os outros macacos pertençam. Isto é difícil de conseguir, porque a maior parte dos macacos odeia os outros macacos. O que realmente os separa dos outros animais é o seu ódio. Odeiam macacos que são diferentes de si, macacos que vivem noutros sítios, macacos de cor diferente da sua. No fundo, os macacos sentem-se sozinhos. Todos os 6 mil milhões de macacos sentem-se diariamente sozinhos.
Alguns dos macacos pagam a outro macaco para este ouvir os seus problemas. Os macacos querem respostas. Os macacos não querem morrer e então inventam Deuses e adoram-nos. E a dada altura os macacos começam a discutir sobre qual «deus-inventado» é o melhor, algo que deixa os macacos realmente irritados e então decidem que é uma boa altura para começarem a matar-se uns aos outros. Os macacos fazem guerras, os macacos produzem bombas de hidrogénio, os macacos têm o seu planetazinho azul todo armadilhado para explodir a qualquer momento. Os macacos não conseguem evitar ser assim.
Alguns dos macacos tocam instrumentos para multidões de macacos que pagaram para os ouvir tocar os instrumentos. Os macacos criam troféus e depois oferecem-nos entre si, como se estes significassem alguma coisa.
Alguns dos macacos pensam que já perceberam tudo. Alguns dos macacos lêem Nietzsche, alguns dos macacos elocubram em torno de Nietzsche sem terem em qualquer consideração o facto de Nietzsche ser apenas mais um sacana de um macaco. Os macacos fazem planos. Os macacos apaixonam-se. Os macacos fodem. E fazem mais macacos. Os macacos fazem música e então os macacos dançam. DANCEM MACACOS, DANCEM!
Estes macacos são simultaneamente as criaturas mais horríveis e mais belas do seu planeta azul. Mas os macacos não querem ser macacos, querem ser outra coisa. Mas não são.


Tradução e adaptação selvagem de um poema de Ernie Cline

terça-feira, dezembro 05, 2006

A Razão da Opinião Pública

opinião pública
Para mim a Opinião Pública é como a plasticina: com imensas cores diferentes e perfeitamente moldável.

Tem um problema também semelhante à plasticina - quando misturamos as várias cores e moldamos excessivamente, fica acinzentada.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

A Razão dos Três Porquinhos


3 porquinhos

O conto infantil que melhor retrata a história da humanidade é, sem dúvida, a História dos Três Porquinhos. Esta história simbolicamente divide o mundo em 4 tipos de gente, cada um dos tipos correspondendo a uma personagem:

- Temos os indigentes, representados por Cícero (o porco preguiçoso), que gostam pouco de alancar e preferem esticar a mão ao fim do mês e receber os subsídios do Estado.

- Temos os tipos que trabalham, trabalham e trabalham, representados por Heitor (o porco trabalhador), que nunca têm o seu esforço recompensado e que no final de cada mês vêem o seu dinheirinho escoar-se em impostos para pagar a inércia dos Cíceros deste mundo.

- Temos a malta inteligente, representada por Práctico (o porco construtor civil) que lá se vai safando com algum custo.

- E finalmente temos os gajos que querem lixar a vida a todos os outros (representados pelo Lobo Mau) e que, trabalhando afincadamente para o Estado (essa abstracção incómoda) acabam inevitavelmente por lixar os Cíceros e Heitores da vida.

O conto contém requintes de malvadez: as personagens consideradas «boazinhas» são uma vara de porcos, o que não abona muito a favor de todos nós. Todos têm um nome próprio à excepção do lobo que, tal como o Estado, não é personalizável. Quem é esperto dedica-se à construção civil à séria. E o Estado é representado por um predador insistente e sem escrúpulos (um silogismo, portanto).
A história só não é perfeita porque um dos porcos acaba por se safar à conta de um trabalho bem feito e de uma criteriosa escolha de materiais de construção. É aqui que tudo entra no mundo das fábulas, porque sabemos bem que no mundo real o porco nunca teria este discernimento profissional e veria a sua obra embargada sine die para mais tarde ser implodida com pompa e circunstância ou, na melhor das hipóteses, untava as mãozinhas do lobo e de todos os seus colegas de partido para evitar ser envolvido numa escandaleira qualquer envolvendo práticas esquisitas com leitõezinhos e tâmaras frescas.
Ainda assim fica o registo de uma boa tentativa para nos retratar.

domingo, dezembro 03, 2006

A Razão da Festa de Casamento


festa de casamento
Tenho um problema com as festas de casamento. Primeiro porque não percebo porque raio dois seres acham que o facto de terem decidido viver juntos «para o resto das suas vidas» constitui motivo de celebração, e depois por todos os rituais bacocos que envolvem a festa, e que fazem com que as festas de casamento se assemelhem às bolas de ténis: quem vê uma vê todas. E por isso mesmo, sempre que vou a um casamento é como se estivesse a ver pela enésima vez o mesmo filme, só mudando os locais de filmagem, e claro, as personagens.
Ao longo de anos como convidado de festas de casamento criei uma pequena check list virtual que uso para me entreter e passar o tempo em cada celebração matrimonial. Como o argumento é sempre igual de festa para festa, a check list é dolorosamente implacável a assinalar «os pontos altos» de cada uma.
Não pretendendo ser exaustivo (a minha lista é verdadeiramente longa e diversificada, ombreando com qualquer modelo de análise multivariada) vou partilhar convosco os items mais comuns:

Na Igreja
Para quem conseguiu escapar à gloriosa tarefa de ter que começar a festa a enfardar na casa de um dos noivos antes de o acompanhar no seu trajecto ao altar, a Igreja é o grande início da festa do casamento e apresenta per si um rico manancial de rituais:

- O Freakshow – continuo a achar esta parte a mais interessante porque em cada casamento há sempre uma bela molhada de seres esquisitos (amigos e familiares dos noivos) que nós nunca vimos antes e que dão um colorido peculiar à cerimónia, com os seus fatos a cheirar a naftalina (invariavelmente dois números acima ou abaixo da medida do seu utilizador); os sapatos encerados de modo a encandear toda a tripulação de um boeing que passe por ali perto; os vestidos mais inexplicáveis com decotes e minissaias generosas sustentadas por saltos agulha que dificultam o andar no chão empedrado da igreja. Na fase de freakshow os mamíferos presentes trocam olhares e cochichos, medindo-se timidamente uns aos outros, avaliando as suas respectivas figuras tristes.

- O Sermão e as Leituras – onde por breves momentos toda a gente parece ter o dom da leitura, recitando aqueles repetitivos «discursos de São Paulo aos etruscos», ouvindo-se aqui e ali um choro de criança a ser levada rapidamente para fora da igreja por um dos seus sádicos pais. Se tivermos sorte, o que é raro, o padre é breve e contido e poupa-nos meia hora de seca a falar da incerteza dos dias de hoje, da crise das instituíções e da própria família, e da escassez de crentes praticantes abaixo dos 65 anos.

- O Arroz – o discurso do padre ditará a violência com que se atirará o arroz aos noivos. Se o padre nos deu uma seca, o mais provável é que pelo menos um dos conjuges nunca consiga recuperar totalmente de uma perfuração da retina.

- O Cortejo Automóvel – já vi carrinhas funerárias deslocarem-se mais depressa que um cortejo automóvel num casamento, o que torna a chegada ao Copo D’Água um verdadeiro suplício, principalmente durante a época de Verão. De salientar aqui dois aspectos: os carros estão sempre imaculados e reluzentes; e um grupinho de labregos irá invariavelmente perder-se do cortejo chegando muito depois dos petit fours.

Vou omitir propositadamente a parte das fotografias e das filmagens, porque geralmente não têm grande interesse na altura (embora saibamos que vamos ter de levar com elas mais tarde, quando os noivos chegarem da Lua de Mel).

No Copo D’Água
É considerada a segunda parte do filme, e aquela que apresenta variantes mais ricas. Digamos que a verdadeira festa começa realmente aqui.

- Os Petit Fours – ao chegarmos ao local do Copo D’Água somos presenteados com petit fours e aperitivos vários. Começa assim a verdadeira maratona de bebida e comezaina, havendo alguns convivas que ficarão alegremente etilizados nesta fase em estágio para a verdadeira bebedeira que se desenrolará a seguir, em todo o seu esplendor. Nesta fase o nível de álcool faz com que os convivas comecem a socializar entre si, perdendo alguma inibição inicial.

- O Arremesso do Bouquet – um momento crítico para as encalhadas de serviço a qualquer casamento. Já quentinhas com os aperitivos, este ritual assume um carácter de «vida ou morte» para cada uma das participantes, podendo originar traumatismos graves dependendo do grau de desespero das intervenientes.

- A Refeição Principal – aparte da velocidade com que a comida e a bebida desaparecem nesta fase, pouco há salientar, tirando talvez o ritual do bater em uníssono com um talher no copo, na tentativa de que os noivos se beijem. Existem variantes deste ritual, muito mais interessantes aliás, onde os convivas exigem que o pai da noiva beije violentamente a mãe do noivo (a maior parte das vezes sem qualquer sucesso aparente).

- O Charuto – como fumador habitual de habanos divirto-me a observar os mamíferos do sexo masculino a fumar o tradicional charuto depois da refeição principal. É impressionante a figura urso que se pode fazer a fingir que se sabe fumar charuto. Gosto particularmente do free style de espetar um palito pelo charuto adentro de modo a segurá-lo na boca trincando apenas o palito. São uns artistas.

- O Bailarico – na minha modesta opinião, o ponto mais alto da festa matrimonial. Nesta altura eles e elas perderam a compostura, desapertaram as gravatas, subiram as mangas e as saias, baixaram os decotes e dançam (muitas vezes descalças) como se não houvesse amanhã, fazendo de quando em vez um pequeno comboio de bêbados que circula por entre as mesas do recinto. Valentes trambolhões são coisa normal nesta fase, havendo variantes mais excitantes que envolvem cenas de desenfreada pancadaria entre maridos ciumentos na defesa das suas etilizadas e ziguezagueantes esposas, apalpadas sem dó nem piedade por indivíduos que ultrapassaram, em muito, os limites legais de consumo de substâncias entorpecentes.

- O Cortar do Bolo – é normalmente arrastado até ao último minuto possível por se saber que, depois dele, mais de metade dos convivas baza alarvemente dali para fora. Eu incluído (antes de dar a segunda dentada naquela fatia gigantesca e sensaborona já estou ao volante do carro para me pirar).

- A Ceia e o Pós Ceia – confesso a minha total falta de experiência nesta fase. Mas segundo me dizem é aqui que se inicia o próximo casamento, dado que são normalmente os encalhados que resistem até à Ceia na tentativa de desencalharem de uma vez por todas. A bebedeira normalmente baixa-lhes a fasquia dos critérios o que lhes abre uma possibilidade, mesmo que remota, de encontrarem (no mesmo estado etilizado) a «pessoa do resto das suas vidas».

Da próxima vez que forem a um casamento levem esta pequena lista e confiram. Esqueçam a parte da Ceia, mesmo que estejam encalhados. Mais vale ter critério.

sábado, dezembro 02, 2006

A Razão do Limbo (I)


limbo (I)
O recém chegado Papa Bento XVI convocou, no início do ano, uma comissão de trinta teólogos com o objectivo de acabar com o Limbo. Para quem está menos informado sobre a arquitectura do edificio celeste, o Limbo é aquele andar entre o Céu e o Inferno, para onde vão as almas de todas crianças, bébés e fetos que morrem sem que tenham sido baptizados. O Limbo, que existia desde o século IV, altura em que São Gregório, o Teólogo, decidiu construir uma mezzanine no Inferno, passou a ser levado a sério depois de umas obras de restauro levadas a cabo por São Tomás de Aquino no século XIII, altura em que ganhou um estatuto de assoalhada (muito embora o seu pé direito fosse muito reduzido, dado que foi espaço ganho ao inferno, nunca ninguém se preocupou muito com isso porque as crianças nunca atingiam alturas acima do metro e meio). No início do século passado, o Papa Pio X garantiu a pés juntos que o Limbo existia e que as almas das crianças não baptizadas estavam lá – tendo apresentado na altura vários dossiers com os nomes e idades dos residentes.
A existência do Limbo nunca foi pacífica, dado que era considerada um regime de apartheid celestial: uma criança índia que nascesse e morresse no meio da selva sem nunca ter ouvido a Palavra do Senhor (muitos consideram que essa palavra é «rabanete», embora ninguém esteja muito certo disso, havendo uma escola mais radical que afirma que a palavra é «zingarelho») nunca teria possibilidade de chegar ao Céu, e o mais que podia era candidatar-se a um lugar no Limbo, simplesmente porque o canal de distribuíção da Igreja não fazia entregas naquela zona da sua selva. Uma escandaleira discriminatória, como bem se vê.
Foi exactamente este princípio de apartheid que levou o Papa Bento XVI a rever a existência do Limbo e a iniciar a sua extinção, o que irá tornar as coisas mais complicadas doravante uma vez que, sem o Limbo, os católicos e os membros de uma série de outras religiões irão concorrer em pé de igualdade por vagas nos mesmo lugares – Céu, Inferno e Purgatório. E sabe Deus como estes dois últimos estão lotados...

Entretanto os 30 teólogos estão reunidos à procura de soluções para acabar com o Limbo e realocar aquelas alminhas. Espera-se que na próxima sexta-feira apresentem ao Papa um pacote de medidas, que terei oportunidade de revelar em primeira mão, aqui na Razão.

sexta-feira, dezembro 01, 2006

A Razão da Palavra do Senhor


palavra do senhor
Quando Jesus fez a sua série de workshops com os 12 apóstolos deu-lhes instruções para que, após a sua morte por crucificação, corressem o mundo e difundissem a Palavra do Senhor. Azar dos azares, Jesus nunca conseguiu dar o último módulo do workshop dedicado a «Coisas Que Devemos Dizer Para Arranjar Mais Sócios». Falou-lhes dos Milagres, falou-lhes do Céu & Inferno, falou-lhes na Vida Eterna mas, quando ia falar na Palavra do Senhor, um destacamento de romanos entrou-lhe pelo auditório adentro (o Judas havia-se chibado por não estar de acordo com as propinas do workshop) e levaram-no, e crucificaram-no, e empalaram-no. E finito. O tipo morreu sem dizer concretamente que Palavra era aquela.
Os apóstolos ainda tentaram fazer um brainstorming, com os conhecimentos adquiridos até à data, de modo a conseguirem chegar a algo que se assemelhasse ao que eles achavam que seria a Palavra do Senhor, mas tirando aquela cena da ressuscitação (onde todos estavam de acordo que era uma história do caraças e que merecia ser contada), não conseguiram chegar uma conclusão sobre qual seria a Palavra do Senhor. E assim cada um deles foi à sua vida escrever e pregar sobre a sua visão de Deus e de Jesus, e cada um deles achou que sabia qual era a Palavra do Senhor.
Pedro, João e Tiago (o Maior) achavam que a Palavra do Senhor era «rabanete». Chegaram a esta conclusão depois de terem proferido uma série de outras palavras. Na altura em que proferiram «rabanete» aconteceram umas coisas esquisitas: a terra tremeu, a garrafa de vinho caiu de pé, e os cães começaram a uivar. E a partir daí, desconhecedores da escala de Richter, acharam que tinham descoberto a Palavra.
Filipe, Bartolomeu e Tomé haviam decidido que a Palavra era «Oréops!», mas só porque gostavam da sua sonoridade, dado que não há qualquer registo que algum fenómeno natural tenha ocorrido quando esta foi inicialmente pronunciada. Tomé era aquele que a usava mais, principalmente quando treinava o seu triplo salto encarpado de costas, nas margens do Mar Morto.
Tiago (o Menor), Mateus e Judas Tadeu, eram apologistas fervorosos da Palavra «Porra», a última palavra que ouviram da boca de Jesus. Achavam que não era uma simples interjeição nascida da sua inconfortável posição na cruz. Acreditavam piamente que se aquela foi a última palavra de Jesus, é porque aquilo devia ter um segundo sentido qualquer. Um sentido celestial.

Finalmente, os dois apóstolos mais radicais, André e Simão tinham «zingarelho» como a verdadeira Palavra do Senhor. Tinham-na ouvido da boca de Maria Madalena quando pela primeira vez recorreram aos seus serviços. Ela apontou para as tripas de porco e disse-lhes: «ponham lá os zingarelhos, que isto não é da Joana». Depois dos zingarelhos postos Maria Madalena deu-lhes uma experiência celestial que eles nunca mais esqueceriam. E desde aí a Palavra do Senhor passou a ser um grande «zingarelho». Bem... no caso de Simão nem era tão grande como isso.