terça-feira, agosto 23, 2005

Razões Amoroso-Gastronómicas

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Acho que tenho razão naquilo que vou dizer: as relações crescem e complexificam-se com a variação gastronómica e social.
Quando estamos com um grupo de amigos e conhecemos uma pessoa que é amiga de amigo, que tem uma conversa engraçada, culta, com sentido de humor, que fazer para privar com ela?! Convida-se para um café!
Podemos até nem tomar café mas convidamos sempre para um café. O povo português é muito adepto das relações sociais acompanhadas com café. Fecham-se negócios, marcam-se blind date’s, encontros de amigos, e o começo dos engates.
Quem é que nunca sentiu as cotoveladas e olhares cúmplices dos amigos quando se diz “Vou tomar café com fulana”?
Ir tomar café com alguém do sexo oposto implica que a relação está a evoluir. Um café a dois permite aquelas conversas de reconhecimento, é uma prospecção de terreno. Fala-se de tudo e mais alguma coisa, tiram-se nabos da púcara, provoca-se, enfim é o aperitivo óptimo. Aprofunda-se o conhecimento e recolhem-se pistas para o passo que se vai dar a seguir.
Tomar café não demora o tempo de engolir a pequena quantidade de líquido que repousa no fundo da chávena, é bem mais que isso. Pode ser doce ou amargo, escuro e forte ou macio e descafeínado, mas é sempre uma boa opção. Se estiver a correr bem pede-se outra coisa e marca-se outro. A correr mal desmarca-se e parte-se para outra coisa com a desculpa:
-Tenho mesmo que ir embora, tenho o meu voluntariado nos Anjos da Noite, depois eu ligo-te.
- Mas são três da tarde!
- É que… sabes lá começámos cedo, até nos chamam os Anjos do Dia.
Devaneios à parte, quando corre bem, corre mesmo bem.
Alguns cafés depois, estamos prontos para o passo seguinte, o jantar. Convida-se a pessoa quando já recolhemos informações suficientes para saber que o jantar não vai ser embaraçoso. É necessário um grau de intimidade grande para avançar para este nível.
Dentro ou fora de casa, com mais ou menos elaboração, um jantar implica uma série de condicionantes. Um homem deve saber que vinho escolher, é uma das regras universais do engate e acreditem que as mulheres incham de orgulho por saber que o homem que as acompanha sabe do que fala. Uma mulher deve ser delicada e saber ser servida, faz parte das convenções sociais, mas é giro.
Ver o companheiro a pegar nos talheres e nos copos certos é bom mas se falhar não é grave. Grave é ver o nosso interlocutor a meter a cabeça quase dentro do prato ou a sorver sopa ruidosamente. Isto é capaz de destruir o trabalho que tivemos com uma série de cafés de reconhecimento.
Como defende um amigo “Nós somos aquilo que comemos”, por isso há que ter cuidado ao escolher a comida. E se queremos causar boa impressão não devemos pedir coisas que sejam difíceis de comer, como marisco que tenha que ser partido, geralmente dá mau resultado.
- Ooops, lá vai mais uma perna de santola.
Pede aperitivo, digestivo, fuma, quanto fuma, como fuma... qual a relação que mantêm com o empregado, enfim uma série de coisas que influenciam o estudo da pessoa que está à nossa frente e nos permite traçar um retrato robot psicológico que vai influenciar a nossa escolha.
Não consigo, nem devo, explicar como se chega à refeição mais importante do dia, mas posso adiantar-vos que é o topo da relação amoroso/gastronómica.
Só se toma o pequeno-almoço com uma pessoa por quem nos sentimos atraídos, na manhã seguinte à subida de todos os outros degraus.
É claro que se pode inverter a pirâmide – na maior parte das vezes é assim que evolui.
- Este pequeno-almoço estava óptimo, jantamos logo à noite?!

Um post de Miguel de Terceleiros em exclusivo para a Razão.

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